Além da Ilusão - Sobra empatia para uns, falta para outras.

 

Além da Ilusão chegou em sua fase final.

Não se pode negar que a novela foi um sucesso na maior parte do tempo. O elenco entrosado e a direção brilhante foram os grandes responsáveis por isso.

O enredo da história tem lá o seu merecimento. A novela tinha tudo que precisava para agradar ao público: uma mocinha forte, um mocinho esperto, casais com muita química, vilões asquerosos, humor na medida certa. A Segunda Guerra Mundial servindo perfeitamente de pano de fundo para a trama, sem roubar o protagonismo da cidade de Campos.

Tudo ia bem, até que o público começou a notar um certo descaso com as personagens femininas da novela.

A polêmica começou, de fato, quando Isadora descobriu que Rafael Antunes era na verdade Davi Jardim, o verdadeiro acusado da morte da sua irmã Elisa. O choque pela revelação inicialmente foi grande, mas não durou 2 capítulos até que a jovem acreditasse na inocência do mocinho e na culpa de seu pai pelo assassinato. Foi então que a primeira cena problemática surgiu: Isadora decide manter o segredo de Davi e não conta para sua mãe a verdade, e ainda por cima se torna cúmplice do rapaz.

Não me entendam mal, não estamos aqui julgando a atuação dos atores, que inclusive tem sido brilhante durante toda da novela. Mas a indignação vem da problemática onde Isadora conviveu com a dor da morte da irmã durante todos esses anos, sofrendo até lapsos de memória. Ela viu Violeta se anular completamente para trabalhar e sustentar a família, sem nem mesmo ter tempo para viver o luto de perder uma filha no mesmo dia que perdeu o pai. (Incluo aqui inclusive a cena onde ela julga e critica a mãe pelo caso com Eugênio, defendendo o pai que tanto lhe fez mal, que nunca gostou dela).

Isadora simplesmente decide ignorar tudo isso para proteger o mocinho pelo qual se apaixonou perdidamente, sem a menor empatia com a mãe, sem pensar por um segundo em sua reação. Não vou nem entrar no mérito de comentar a cena da última semana, onde um show de ilusionismo foi o palco para que Violeta descobrisse quase toda a verdade. Já não basta tudo que sofreu no passado e no decorrer da trama com a loucura do marido, ainda vai ter mais alguns capítulos de revelações nem um pouco leves.


Heloisa é outra personagem que tem um histórico traumático. No passado foi seduzida por Matias, engravidou do cunhado e foi abandonada por ele, com sua filha sendo retirada de seus braços ainda recém-nascida. Obviamente, mais um segredo escondido de Violeta, mas o caso aqui é outro. A muitos capítulos temos visto a trama seguindo pelo caminho da redenção para Matias, o grande responsável pelas duas situações: de Heloisa e de Elisa.

E mais uma vez vemos uma mulher tentando, com afinco, humanizar o criminoso, trabalhando para construir uma base de absolvição para esse personagem que só fez mal a novela inteira. Essa mulher é Olívia, novamente uma das personagens que mais foi atingida com toda a situação: foi tirada dos braços da mãe, sendo criada numa família pobre, tendo que trabalhar nas máquinas pesadas e barulhentas da tecelagem mesmo tendo a possibilidade de ter sido criada como Isadora, na casa grande.


E chegamos então á Emília. A pobre moça sonhadora que almejava ser rica e famosa, como tantas pessoas hoje em dia. Assim como na realidade, apesar do talento, Emília nunca teve grandes chances de crescer na vida. Acabou caindo na lábia de Enrico, um golpista de carteirinha, e entrando para a vida dos roubos ao cassino de Campos quando se viu deslumbrada pela boa grana que ganhava. Depois de muito tempo (põe aí mais de 110 capítulos), Emília tem a oportunidade de mostrar sua voz no concurso de rádio da cidade, obviamente ganhando. Mas sua felicidade dura pouco, pois é desmascarada pelo golpe das fichas. Ela perde o título de rainha do rádio, perde o dinheiro, perde sua casa, perde o marido e o filho, perde o emprego e, claro, perde o nome limpo na praça e sua dignidade.

No últimos capítulos vimos que a redenção de Emília veio em forma de recuperação do seu emprego de doméstica, morando nos quartinhos de empregada da casa grande e voltando a sonhar com o dia que será famosa. Essa foi a melhor "absolvição" que a autora conseguiu dar a ela? Diferente do ex-juiz, a cantora se arrependeu de se envolver com Enrico, se arrependeu do golpe no cassino, se arrependeu até do adultério. Já Matias em meio a sua loucura, ainda tem sanidade o suficiente para continuar ocultando sua culpa, mentindo sobre o crime que, conscientemente, sabe que cometeu. Agora eu me pergunto, é justo para Matias, depois de matar, sequestrar e torturar, ter todo esse arco de redenção na novela? 

Num último spoiler que li sobre os capítulos finais, descobri que até mesmo Joaquim, que fez o diabo na cidade, pode ter seu momento de remição. Ou seja, teremos o perdão de Matias, de Joaquim, e até mesmo de Davi que pode não ter matado mas cometeu mais crimes que Emília (roubo, identidade falsa, adulteração de documentos, ocultação de provas, fuga da polícia e do presídio, etc).

Pelo visto, Úrsula será aquela que realmente pagará por seus crimes (tão cruéis quanto os de Matias), com muito merecimento, diga-se de passagem. Mas veja bem, Úrsula é uma mulher e, portanto, não tem direito a salvação. Se ela estivesse louca como o outro criminoso, teria seu momento de misericórdia também? (Contém ironia).

Eu fico então pensando: a novela se passa em meados dos anos 40 onde a mulher realmente era julgada e oprimida pela sociedade. Mas graças a muitas mulheres fortes, isso tem mudado. Não é mais aceitável esse tratamento preferencialmente vantajoso aos homens. 

Não é segredo que a telenovela hoje é mais do que só um meio de entretenimento, ela tem um papel importantíssimo na sociedade, tem um impacto grandioso no comportamento social, servindo de espelho, de inspiração e de aprendizado para seus telespectadores.

Infelizmente todas essas cenas que causaram aversão foram ao ar quando as gravações estavam prestes a terminar, e por consequência a autora já teria entregue os capítulos finais bem antes disso. Mas, com uma rápida observação em seu perfil nas redes sociais, é possível notar sua idolatria por Davi, Matias e companhia. Logo, não faria diferença para ela todo o movimento empático para com as personagens femininas por parte do público, já que nenhuma mudança seria realizada. 

Mas a discussão é genuína, com fundamentos e não deve ser silenciada, como foram as dores de Emília, Heloísa, Violeta.

Então, não se pode mesmo negar: o sucesso de Além da Ilusão é legítimo, porém, até o momento, faltou empatia para as mulheres e sobrou para os homens.


(Jéssica)

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Chegadas e Partidas - GNT

Preferência disputada.

A primeira dama da TV - Hebe Camargo